quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O QUE É RELIGIÃO? Um breve Resumo Crítico da obra de Rubem Alves

O QUE É RELIGIÃO? Um breve Resumo Crítico da obra de Rubem Alves
Autor da Pesquisa: Reginaldo Costa Filho


1. APRESENTAÇÃO DO AUTOR E DA OBRA

Logo de início quero destacar a feliz seleção feita por Rubem Alves na organização do livro “O que é religião?”. Rubem Alves dispensa apresentações. Com muitos títulos publicados, este mineiro, que é mestre em teologia, psicanalista e professor livre docente da Unicamp, além de escritor, jornalista e poeta, tem um grande e visível mérito: escreve simples, com sensibilidade e sapiência. Daí, seu imenso leitorado, brindado com o livro “O que é religião?” O livro é um convite para nos debruçarmos sobre as perguntas e questionamentos que surgem através de um "olhar cheio de dúvidas", principalmente de alunos iniciantes em curso de Teologia, levando, ao mesmo tempo, esses alunos a aprenderem a analisar e refletir sobre o fenômeno religioso.

2. SÍNTESE DOS CAPÍTULOS
2.1  Perspectiva
2.2 Os símbolos da ausência
2.3 O exílio sagrado
2.4 A coisa que nunca mente
2.5 As flores sobre as correntes
2.6 A voz do desejo
2.7 O Deus dos oprimidos
2.8 A aposta

3. RESUMO DAS IDÉIAS BÁSICAS  DO LIVRO E COMENTÁRIO CRÍTICO
3.1 – Perspectivas: Nesse capítulo Rubem Alves tece comentários sobre as “perspectivas” da religião, desde o tempo em que os descrentes, sem amor a Deus e sem religião, eram raros e considerados como uma doença contagiosa. Tudo era feito em nome do sagrado e em torno do drama da alma humana. Com o desenvolvimento da tecnologia e da ciência, Deus passa a não ser mais necessária “como hipótese de trabalho”.  Também ele leva o leitor a questionar se a religião está desaparecendo ou não, para logo em seguida afirmar que ela permanece viva, pois o avanço da ciência não conseguiu fazer desaparecer a religião. Ele encerra o capítulo acrescentando que “não é difícil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento exótico de grupos sociais, mas que é necessário reconhecer a invisibilidade da sua presença nosso dia-a-dia”. O texto nos leva a entender que o autor “viaja” desde o tempo do início do cristianismo, passando pela Idade Média, pelo período da Revolução Industrial e chegando até nossos dias. O texto é lúcido e com marcos históricos implícitos na própria narrativa.
3.2 – Os símbolos da ausência: O autor inicia o tópico, fazendo uma comparação entre os animais e o homem. Descreve como os animais conseguiram sobreviver ao longo de milhares de anos, suas adaptações ao meio-ambiente e como, diferentemente do homem, eles conseguem transmitir sabedoria para a sobrevivência das suas gerações, sem a necessidade de palavras e mestres. Já o homem para sobreviver necessita produzir o meio, criar os elementos culturais e valorizar os símbolos criados, dando-lhes um valor sagrado. Ao longo da sua narrativa ele ainda diz que no fracasso dessa cultura criada pelo homem, surgiram os símbolos e conseqüentemente a religião.
3.3 – O exílio do sagrado: Nesse capítulo, Rubem Alves comenta as diferenças existentes entre as coisas do mundo humano e as coisas que constituem a natureza e, diz que “as coisas da natureza são independentes da vontade do homem”. Faz uma narrativa sobre os símbolos vitoriosos e os símbolos derrotados e a importância dos símbolos sagrados vitoriosos na Idade Média. Isso se deveu ao fato de que na Idade Média, todo o universo era compreendido como se fosse dotado de um “sentido humano”. Mas, de repente, os homens passam a fazer coisas não previstas no receituário religioso e em nome do princípio da utilidade, uma nova classe social surge, corroendo as coisas e os símbolos do mundo medieval e, fazendo perecer as coisas inúteis. Como conseqüência o mundo não passou a ser mais guiado pelo sagrado. A natureza idem. O homem teria agora que gerar riqueza e bens. Rubem Alves encerra o capítulo tecendo comentários sobre a trilogia riqueza, economia e religião.
3.4 – A coisa que nunca mente: Aqui o autor explica o significado das coisas, fazendo breves comparações e como essas coisas podem ser transformadas em símbolos. Nesse capítulo Rubem Alves transporta o leitor para uma reflexão teológica sobre os filósofos da Idade Média e os filósofos empiristas/positivistas. Para os filósofos da corrente empiristas/positivistas, com a ênfase dada ao o conhecimento científico, o homem não necessitaria mais da religião e como conseqüência ela iria desaparecer. Mas isso não aconteceu. Essa reflexão teológica culminou  com a revolução sociológica. Ao afirmar: “considere os fatos sociais como se fossem coisas”, Durkheim instaura um novo mundo de compreensão da religião e quando ele buscava explorar a religião, na verdade ele estava procurando investigar e chegar a conclusões sobre as próprias condições para a sobrevivência da vida social.
3.5 – As flores sobre as correntes: Rubem Alves inicia esse capítulo, logo nos primeiros parágrafos, citando Durkheim e Marx. Inicialmente ele mostra um Durkheim fascinado com o sagrado e em busca das origens da religião mais simples e primitiva que se conhecia. Para tentar compreender o presente, Durkheim mergulha no passado em busca de respostas do mundo sacral. Diferentemente de Durkheim, Marx desconhecia esse mundo sacral. Desconhecia os valores morais e espirituais e somente conhecia a ética do lucro e da riqueza. Para alguns filósofos, a religião era a principal culpada por todos os problemas sociais da época. Mas como? Se ela não fazia diferença alguma. Porém Marx entendeu, que a religião não tinha culpa alguma e que a culpada eram as falsas idéias que atormentavam as cabeças dos homens, fruto da alienação. Marx não estava preocupado com isso e sim com as forças que realmente movem a sociedade. Marx considerava a religião como “um ópio do povo” , ou seja, “felicidade ilusória do povo”.
Nesse capítulo Rubem Alves nos mostra um Durkheim preocupado na exploração do universo religioso e um Marx preocupado com as mazelas sociais, mas relacionando-as ao lucro obtido pela burguesia em detrimento do operariado.
3.6 – A voz do desejo: Os filósofos do movimento empiristas/positivistas acreditavam que a religião não ia além de um discurso sem sentido. Porém outros pensadores, como por exemplo, Marx e Durkheim, achavam que podiam analisar a religião através de um ângulo sociológico. Segundo Feuerback, “a religião é um sonho da mente humana” e deveríamos compreendê-la da mesma forma como analisamos os sonhos. Os sonhos estão relacionados com os desejos de todos nós. E é nessa turbulência que nasce a religião. As religiões são ilusões que tornam a vida mais esperançosa, mais suave, mais prazerosa, os mais  fortes e urgentes desejos da humanidade. A religião afirma a divindade do homem.
3.7 – O Deus dos oprimidos:  Cerca de 2.500 anos antes que qualquer pessoa dissesse que a religião é o ópio do povo, alguns profetas perceberam que até mesmo os nomes de Deus e os símbolos sagrados poderiam ser usados pelos interesses da opressão, e acusaram os sacerdotes de enganadores do povo e os falsos profetas de pregadores de ilusões, alertando-os que a vontade de Deus é forjada na justiça e na misericórdia. Em oposição a essa falsa religião que sacralizavam o presente eles teceram, com as dores, tristezas e esperanças do povo, visões de uma terra sem males, uma utopia, o Reino de Deus, em que as armas seriam transformadas em arados, a harmonia com a natureza seria restabelecida, os lugares secos e desolados se converteriam em mananciais de águas, os poderosos seriam destronados e a terra devolvida, como herança, aos mansos, fracos, pobres e oprimidos. É provável que os profetas tenham sido os primeiros a compreender a ambivalência da religião: ou seja, ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Com uma série de fatores coincidentes, resgatou-se a religião como instrumento de libertação dos oprimidos. A história normalmente é narrada através da visão dos vencedores. O desenvolvimento da ciência das religiões possibilitou a recuperação dos fragmentos do passado, permitindo visualizar  a cortina de interpretações que os vitoriosos haviam erigido. E posteriormente, o desenvolvimento da arte da interpretação permitiu enxergar, através do discurso dos vitoriosos, a verdade acerca dos vencidos.
3.8 – A aposta:  A religião continua seu caminho, convivendo entre acusações e defesas. Convocam-se e ouvem-se testemunhas: psicólogos, filósofos, cientistas sociais. Uns, ao lado da acusação, nos asseguraram que a religião é uma louca que balbucia coisas sem nexo, distribuindo ilusões, fazendo alianças com os poderosos e narcotizando os pobres. Outros, pela defesa, afirmaram que sem religião o mundo humano não pode existir. Ao ser defendida ou acusada, fica claro que essas atitudes só ocorrem no plano científico, onde normalmente não são considerados os fatores relacionados às experiências com o sagrado. É justamente com esse símbolo sagrado que os oprimidos constroem suas esperanças e se lançam à luta. Num mundo ainda sob o signo da morte, em que os valores mais altos são crucificados e a brutalidade triunfa, é ilusão proclamar a harmonia com o universo, como realidade presente. A experiência religiosa, assim, depende de um futuro. Deus e o sentido da vida são ausências, realidades por que se anseiam dádivas da esperança. De fato, talvez seja esta a grande marca da religião: a esperança. E talvez possamos afirmar, com Ernest Bloch: “Onde está a esperança, ali também está a religião”.    

REDAÇÃO DISSERTATIVA
                                                                                          * (Reginaldo Costa Filho)
Logo de início quero destacar a feliz seleção feita por Rubem Alves na organização do livro O que é religião? O livro é um convite para os iniciantes em teologia e pela sua linguagem simples, oferece a todos os interessados no tema, iniciados ou não, uma obra cujo resultado é bastante estimulante e possibilita a abertura de  novos horizontes de reflexão. Qual a importância do estudo da religião na formação do teólogo? Entendo que na formação acadêmica de um teólogo, o mesmo deve compreender as diversas correntes de pensamentos das ciências humanas. A religião tem um pouco da Sociologia, da Antropologia, da História e da Geografia e principalmente da filosofia.
Na sua caminhada o estudante de teologia estuda o que efetivamente Marx e Engels pensaram sobre a religião.  E passa a refletir e a resgatar o pensamento originário  desses autores,como por exemplo os conceitos de alienação, ideologia e produção de bens materiais na obra de Marx e da identificação que Engels faz entre o cristianismo primitivo com o socialismo, quando ele fala sobre a origem social dos adeptos, a mensagem de libertação da servidão e da miséria, a perseguição de que foram objeto e seu sucesso histórico apesar desta perseguição.
No campo da História e Geografia das Religiões, o estudante pode se debruçar sobre a saga que foi a história do povo de Israel, e aprende a fazer uma leitura bíblica de forma acadêmica, observando o contexto da época em que os textos sagrados foram escritos. Na leitura do livro “O que é religião?”, o estudante observa as contribuições de Durkheim, na sua abordagem relacionada ao fenômeno religioso. Podemos refletir quando ele diz que “a religião não é somente um sistema de idéias, é antes de tudo um sistema de força, sua função é criar coesão e que a categoria fundante da religião seria a categoria do sagrado”. No estudo da religião, o estudante de teologia começa a perceber que a religião é um fato social, que a religião emerge do social e que a religião é signo do social.
Quando falo da importância da Sociologia no estudo da religião, não podemos esquecer da contribuição dada por Max Weber. Dentre Marx e Durkheim, Weber teria sido aquele que mais se dedicou em desvendar o fenômeno religioso. No estudo da religião, o futuro teólogo começa a perceber e a entender o quão é necessário conhecer também história e a cultura.  O teólogo em formação tem que estar “antenado” com o dinamismo da religião. Novos movimentos surgem e, particularmente, o teólogo tem que estar interessado em discutir esses movimentos, pesquisar e refletir cada vez mais sobre o papel da religião na modernidade em meio às suas transformações, usando todos os conhecimentos adquiridos durante a sua formação.
Por fim, pergunto o que se espera de um engenheiro, se na sua formação acadêmica não existir o aprendizado do cálculo? O que se esperar de um médico, se na sua formação não existir o aprendizado da anatomia humana? O que seria de um teólogo, se na sua formação não existir o aprendizado da religião?
(*) Reginaldo Costa Filho é Bacharel em Teologia, graduado pela da Faculdade Batista Brasileira.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

HERMENÊUTICA ECOLÓGICA

FACULDADE BATISTA BRASILEIRA
CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA
Turma: 8º semestre 2011.1
Alunos: REGINALDO/EDMUNDO/RAFAEL
Assunto: Hermenêutica Ecológica

INTRODUÇÃO
Segundo Leonardo Boff, em seu livro ‘Saber Cuidar’, as expectativas de alterações climáticas em decorrência do aquecimento global prenunciam um futuro sombrio para o nosso planeta, com uma série de eventos calamitosos. Por toda parte já é visível os sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade. O projeto de crescimento material ilimitado, mundialmente integrado, sacrifica 2/3 da humanidade, extenua recursos da Terra e compromete o futuro das gerações vindouras. Encontramo-nos no limiar de bifurcações fenomenais. Boff, pergunta aos leitores do seu livro: “Qual é o limite de suportabilidade do super-organismo-Terra? Estamos rumando na direção de uma civilização do caos?”
Para Boff, a humanidade não está assistindo mais que o fim do mundo. Todos nós seres humanos estamos assistindo ao fim de um tipo de mundo, devido a uma crise civilizacional generalizada provocada pelos próprios humanos.
A preocupação é geral, em todos os segmentos da sociedade global. Haroldo Reimer em seu livro ‘Toda a Criação’, apresenta ensaios que desafiam o homem a buscar uma espiritualidade que o motive a pelo menos tentar reverter a situação caótica e dramática experimentada pela nossa ‘casa’, em termos ecológicos e ambientais, propondo uma releitura hermenêutica mais ecológica dos textos do Antigo Testamento. 

HERMENÊUTICA ECOLÓGICA: O QUE É?
Hermenêutica é um termo muito em uso na atualidade. Alguns autores até dizem que vivemos um tempo hermenêutico. O termo no sentido clássico é a “arte e ciências dos processos interpretativos”. É uma arte, que se pode ter por dom ou que se aprimora pelo cultivo. Falar de uma “hermenêutica ecológica” significa estabelecer um diálogo frutífero entre os desafios ou as demandas das crises ambientais e as projeções utópicas ou heterotópicas de futuro. O elemento fundante é a ideia de que o mundo em que vivemos é o espaço de vida que temos e que precisamos preservar. Segundo Reimer, no que tange à hermenêutica ecológica de textos bíblicos, cabe situar o sujeito interpretante como partícipe de demandas advindas de uma crise ambiental generalizada no presente.

HERMENÊUTICA ECOLÓGICA: COMO, QUANDO, ONDE E POR QUÊ?
Essas são noções que derivam de reconhecimentos das últimas três ou quatro décadas, basicamente a partir do momento em que o “mundo moderno” começou a se dar conta da finitude dos recursos naturais. A partir daí se abriu a possibilidade de analisar criticamente a própria ação coletiva dos humanos na “aldeia global”. Reimer define o termo “ecológico” como derivado da palavra ecologia. Segundo ele, esse termo tem muitas acepções particulares: “ecologia ambiental”, “ecologia social”, “ecologia mental”, etc. Mais do que conhecer cada uma dessas variantes, é importante compreender que, na sua etimologia, a palavra eco-logia é constituída por duas palavras-raízes de origem grega. A segunda parte da palavra (logia) significa “discurso”, “fala”, “estudo”, etc. A primeira parte (eco) provém da palavra grega oikós, que significa literalmente “casa”. Assim, ecologia tem a ver com a casa como espaço comum de vida. Reimer define Ecologia, como uma ciência que estuda a “casa” em suas diversas formas de organização e manifestação.

EM QUE CONSISTE?
Uma hermenêutica ecológica aplicada aos textos bíblicos consiste em buscar ler textos bíblicos em perspectiva ecológica, isto é, em sintonia com demandas e crises ambientais e com projeções de vida integral para as gerações presentes e futuras.
Falando sobre os textos bíblicos em perspectiva ecológica, Reimer afirma que “Para essa nova releitura ecológica dos textos, é necessário seguir alguns passos e um dos primeiros que necessitam passar por um prisma ecológico na leitura são os textos iniciais de Gênesis, nos quais se fala do lugar do ser humano no cosmo ou na criação. 

RELEVÂNCIA
Temos que nos dar conta de que se trata de textos pré-modernos, que podem, contudo, contribuir para a formação de uma consciência ecológica ou de uma ética ambiental. Reimer observa que nos últimos tempos, tem-se afirmado de forma cada vez mais intensa que a humanidade vive uma transição de paradigma e que na falta de conceitos mais adequados, fala-se de transição do paradigma da modernidade para a pós-modernidade. Para ele, a fragmentação da modernidade está dando lugar à visão de conjunto, que alguns chamam de ‘visão holística’. A visão antropocêntrica está dando lugar a uma compreensão de que os humanos fazem parte de um conjunto maior.

METODOLOGIA
O sujeito interpretante interroga os textos bíblicos acerca de seu potencial ecológico, isto é, se faz a pergunta a respeito de se e como os textos bíblicos revelam reconhecimentos dos antigos acerca de sua relação com o ambiente. 

 
EXEMPLOS
Há uma série de textos bíblicos que podem ser “garimpados” numa leitura em perspectiva ecológica. Um deles, claro, é o relato da criação em Gênesis. Dentro da comunidade original da criação, Deus dispôs o ser humano com tarefas de mordomo e administrador. É o mordomo que deve zelar pela vida criada. Ao ser humano foram conferidos poderes e privilégios para ‘sujeitar e dominar’, segundo o relato de Gênesis 1,28, porém isso deve ser acontecer com limites e responsabilidades. De acordo com Gênesis 2,15, a tarefa responsável do ser humano na casa é a de ‘guardar e cultivar’. Isso é uma tarefa de ‘mordomia’. Não é a “mordomia” de tirar somente vantagens. É também uma ‘mordomia’ de transformar o ambiente natural em ambiente cultural, fazer uso das potencialidades criadoras, exercitar os dons de sabedoria e de intelecto. Nisso reside uma das mais genuínas tarefas criadoras do ser humano: ser co-criador com Deus.
Entender que o mundo criado resulta de atividade de intervenção, mas que essa intervenção deve ser limitada ou balanceada por momentos ou tempos de descanso ou de “graça”, para todos os elementos da Criação.
Os tempos de pausa se destinam aos humanos, aos animais e à própria Terra (Êxodo 23, 10-12). No código da aliança (Ex 20,22-23,19), em um misto de leis que buscam mediar conflitos, há também várias leis de caráter ético-humanitário, que procuram resguardar os direitos dos fracos. Em Êxodo 23,10-11, a lei ressalta que, após um período de seis anos de intenso trabalho e de cultivo, o sétimo ano deverá ser um ano de descanso para a terra. Verifica-se então que a própria terra tem direito ao descanso.
Deve haver tempos especiais de reestruturação de relações econômicas geradoras de relações de dependência, com remissão ou perdão de dívidas impagáveis e possibilidade de reinício de vida em liberdade (Êxodo 21, 2-11; Deuteronômio 15, 12-18).
Que tal trazermos à memória um texto do livro de Deuteronômio (23, 12-15), no qual se estabelece a relação entre esgoto e santidade. Trata-se aí de um tema prosaico relativo às necessidades fisiológicas de toda pessoa. Recomenda-se que, em havendo a vida comunitária, as pessoas busquem lugares fora do acampamento para fazer suas necessidades, cavando buracos para tal. Em Dt 22,6-7 aparece um texto de caráter preservacionista ou um ‘insight ecológico’. Em Dt 20,19-20 há a preocupação com o desmatamento sem sentido. O texto se refere claramente aos prejuízos ecológicos causados pelas invasões ou por guerras. Ainda em Dt 23,13-15 há prescrições que devem ser observadas na prática do cotidiano e que tem o sujeito individual, o cidadão, como ator. Há também preocupações com a limpeza no acampamento, ou seja, os versículos provavelmente tematizam a vida dos israelitas no seu cotidiano. Para Reimer, nestes textos, já se antecipa a noção de “conscientização”, que implica em dar-se conta dos resultados das ações ou das intervenções humanas no ambiente.
Isso pode abrir a possibilidade de reorientação mais sábia e menos danosa de sua vida individual e coletiva, objetivando, assim, diminuir o peso da “pegada humana” sobre a Terra.
Um acampamento higiênico é relacionado com a presença do Sagrado, de Deus. É um texto que liga, pois, santidade com esgoto, podendo ser potencializado para ações individuais e especialmente para ações de políticas públicas preventivas e possibilitadoras de qualidade de vida.

Considerações Finais
Segundo Boff, “Cuidado todo especial merece o nosso planeta Terra. Temos unicamente ele para viver e morar. É um sistema de sistemas e superorganismo de complexo equilíbrio, urdido ao longo de milhões e milhões de anos. Por causa do assalto predador do processo industrialista dos últimos séculos esse equilíbrio está prestes a romper-se em cadeia”.
Diante dos problemas ecológicos e ambientais modernos, esse enunciado necessita de uma completa revisão e conforme Reimer deveria ser expresso nos seguintes termos: “a terra é a casa comum de todos os seres vivos e do próprio Deus e cada qual tem responsabilidades de cuidado. As religiões, a fé, a espiritualidade também devem dar a sua contribuição e pode-se dizer que têm muito a dar”.
A partir da sistematização da crise ecológica, da teologia ecológica, é possível conjecturar sobre o advento de uma ética do cuidado (cuidado com o nicho ecológico; com o outro; com os pobres marginalizados e excluídos; com a nossa alma; com nosso espírito e com Deus), como sendo fruto de uma nova espiritualidade, a espiritualidade planetária.
Deste modo, podemos concluir que a ética do cuidado é responsável por salvaguardar a Terra, compreendendo-a como um microorganismo vivo, é responsável ainda, por garantir os direitos dos seres humanos e de todas as criaturas.
Então diante dos clamores que ouvimos do nosso planeta, que sangra, geme em dores de parto e pede socorro pela profunda degradação, nós futuros teólogos devemos nos perguntar como a Teologia Contemporânea, compreendida como ciência, analisa à luz da fé, a crise ecológica pela qual vivemos?
Precisamos escutar a voz do planeta que suplica por vida, sendo assim entendemos que fazer Teologia Ecológica, a partir de uma hermenêutica ecológica dos textos bíblicos, é a ação, a capacidade de poder articular fé e história, de refletir ecologicamente a vida do nosso planeta Terra.

Referências Bibliográficas
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Editora Vozes. Petrópolis. 16ª Ed. p.11-199, 1999.

REIMER, Haroldo. Toda a Criação: Bíblia e Ecologia. Editora Oikos. São Leopoldo. p.9-145, 2006.